domingo, 13 de dezembro de 2015

Carmen




Observem seus saltos tilintando pelas ruas de pedras enquanto os homens sagazes olham suas pernas. Olhem o jeito tão libidinoso com que fuma um cigarro surrupiado de um familiar, prestem atenção em seus olhares cheios de provocação a todos, flertando sutilmente, rebolando seu traseiro na frente deles para logo após sumir para sempre. O jeito com que pousa a erva enquanto ri com um amigo, sem se importar. Diga-me quem deixou e deu permissão para estar nas ruas há essas horas. Onde foi sua infância e donde veio feminidade tão cedo ao seu corpo. Donde surgiu uma alma tão depravada com tão poucos anos em suas costas. Costas que em vez do vestido rosa menina já estão nus enquanto dois garotos a despem em um quarto de motel. 
 Estive a observando e vi pararem-na na rua e perguntarem o que pensava da vida. Parecia alguém maturo indignado com a vida dessa alma já perdida tão cedo. Riu-se alto, deu de ombros e disse um " foda-se " bem pronunciado. Dias desses achei-a chorando atrás de um beco, com o vestido até a cintura e as pernas encolhidas e arrepiadas do frio. Havia uma amiga inclinada lhe dizendo que essas coisas acontecem, que ela chamava muita atenção até para uma puta. Seus olhos lacrimejantes incharam-se de raiva, o que pude ver mesmo com a parca luz proveniente de um poste perto. Gritou com a garota, que afastou-se, deu de ombros e saiu correndo.  Lembro até agora de suas palavras:
  - Esse corpo esgarçado é meu! Dou para quem eu quiser e quando quiser, mas ninguém pode botar um dedo em mim sem que eu deixe! 
 Outra vez, em uma festa, vi seus olhos perseguirem ardentemente as costas de um garoto. Era o único que não pousava os olhos em seu corpo. Foi larga-lo em uma banqueta do bar e fui perguntar o que de tanto chamava a atenção no menino. Obtive essa resposta:
    - É meu ex. Infelizmente tem algumas pessoas que te prendem. E mesmo depois de tudo, nada te faz esquecê-las. Mas é impossível aceitar o que sou. Meu passado da esquina. - Deu um riso de lado magoado. 
Mas nessa mesma noite o garoto bebeu demais e foi tirar satisfações com o que ela aprontara em sua mente. Gritou palavrões, a chamando de puta e vadia, puxando seus cabelos e batendo sua cabeça contra a parede. Bateu nela na frente de todos os olhos constrangidos que nada faziam. Berrou que era impossível apaixonar-se por algo como ela, que servia apenas para machucar os outros. As palavras pareciam surtir efeito mais doloroso nela do que os tapas. Ele acabou com a crise dando um cuspe bêbado para cima dela, que foi parar ao lado de sua mão. Com aqueles seus dedos compridos e unhas pontudas pintadas de vermelho próximos a saliva. Ela chorava sem se conter, soluçando. Ninguém chegou perto. 
 A vi no próximo dia. Com a maquiagem manchada e o cabelo revirado. E o mesmo salto preto tilintando pelas pedras da cidade. 
 E indaguei-me novamente:
 Donde surgiu uma alma tão depravada com tão poucos anos em suas costas? 
  
(Texto de K.D.T conhecida como Amanda Kalinoski.)

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