segunda-feira, 13 de junho de 2016

Vamos falar de morte



  Mês passado, minha gente, eu tive que lidar com uma coisa chamada morte. A coisa é que assim, eu não sei lidar não ( e quem sabe?). As únicas vezes na minha vida em que eu tinha perdido alguém foi minha gata, quando eu tinha uns oito/nove anos e minha bisavó, com quem eu não era tão apegada assim. Espero que vocês entendam que animais de estimação pra mim são como pessoas da família. Espero que você aí que esteja lendo tenha um e me entenda como você acaba criando amor pelos seus bichinhos.
  Espero também, para que vocês entendam toda a porrada na cara que o mês passado foi pra mim, que tenham assistido Marley & Eu. Se você não assistiu: a) de que planeta você é e b) pare de ler e vá assistir e c) se você não chorou vendo, você para de ler agora. 
     Contextualizando: eu tenho cinco cachorros.
    Uma delas é uma pastora alemão que foi o meu primeiro cachorro. Ela era toda calminha quando filhote, mas foi virando cada vez mais atentada (não que eu não gostasse disso, porque eu era criança). Ela veio aqui pra cidade pequena com a gente, e com o tempo fomos pegando mais e mais cachorros. Ela é toda magrela porque não para quieta nenhum segundo. É a única que está acordada quando eu estou saindo de casa. E eu peguei o costume de chamar ela porque eu sou medrosa cagona pra caralho.
     E então, no começo do mês passado, tivemos que levar ela no veterinário porque estava com a doença do carrapato ( nós moramos numa chácara e eles vivem saindo e entrando, então é algo que praticamente todos aqui já pegaram, apesar de todo o veneno). Levamos. As veterinárias daqui são gêmeas e nós levamos todos os bichos pra elas desde que nos mudamos pra cá. Foram duas injeções hiper doloridas e ela vomitou. Houve suposições de que ela tivesse algo a mais porque vômitos não é um dos sintomas dessa doença. Mas a levamos pra casa de novo. 
     Só que então, dias depois ela parou de comer. Voltamos a levar pra veterinária. Provavelmente era por causa da anemia, uma das consequências dessa doença aí. Ela ficou internada. Piorou cada vez mais, porque tudo que ela comia ela vomitava. Então, a ideia de fazer transfusão de sangue (muitas conversas entre eu e minha mãe discutindo da onde eles tiravam o sangue para colocar nos cachorros, sem chegar em nenhuma conclusão. E alias, se alguém quiser saber o valor de uma bolsa de sangue para bichos, eu sei.). Veio. Ficamos praticamente a tarde inteira lá. Sentadas do lado da maca dela, mantendo a pata esticada e fazendo carinho no meio das suas orelhas. 
     Mas o sangue não adiantou. Ela continuou mal. Estava mais magra do que nunca. E quando eu digo magra, é muito magra. Levamos para fazer exames em outra clínica, já que a veterinária achava que ela estava com uma obstrução (já que vomitava toda comida sem razão aparente). Eu sentei naquelas cadeiras lendo sobre política enquanto minha mãe falava com outra mulher que estava lá e que rendeu essa frase dela que nunca mais vai sair da minha mente:
           "Agora eu nem insisto mais, fazer eles sofrer. Prefiro pela eutanásia."

     Eutanásia. Eu nem lembrei na hora que palavra era essa. Palavra chique para sacrificar. 


      Nesse dia, bem. Eutanásia era ainda uma palavra muito, muito longe. Enquanto fazia carinho nela deitada no meio das cobertas no banco de trás do carro, eu não conseguia pensar que ela não ia se recuperar. Você sabe o que é morte. Todo mundo sabe o que é morte. Só que é uma ideia muito, muito distante. E quando ela passa a se tornar uma ideia real. Bem. Não é só uma ideia. 
     Sim. Ela tinha uma obstrução. Um pedaço de osso dentro do estômago. Fincado. Provavelmente não era de agora. Teria que fazer uma cirurgia. Talvez ela não sobrevivesse. Ela estava muito fraca pra aguentar a anestesia. Iam fazer naquele mesmo dia. 
        A veterinária não tinha ligado naquele dia, nem de manhã e quando cheguei em casa minha mãe estava neurótica e dando pulinhos e fazendo mil e uma especulações do tipo " e será que ela morreu e a veterinária não quer contar? ". Chegamos lá. E ela tinha saído intacta da cirurgia. Estava lá, deitada na gaiola e até levantou a cabeça pra olhar a gente quando entramos. Ela iria pra casa no próximo dia. Até que enfim, porque eu tinha visto o rosto das veterinárias todos os dias daquela semana, tanto que tinha aprendido a diferenciar uma da outra. Tinha até decorado os locais que as duas tinham tatuagens. 
         Ela foi pra casa. Estávamos todas felizes. Extremamente felizes. Porque afinal, ela tinha se recuperado, não é? 
         Eram umas seis da tarde quando ela começou a convulsionar. Ela estava fraca que não conseguia manter a cabeça por mais de dois segundos. Então, começava a se debater. Não tinha o que fazer. Tinha sido muito mais fácil lidar quando ela ainda estava no veterinário. Mas em casa, era uma sensação de impotência. O que você faz numa convulsão? Eu sentava no chão e segurava sua cabeça e suas patas. Mas só. Não tinha bem o que fazer. E depois disso, ela começava a chorar. Uivar. Como se estivesse com muita, muita dor. Eu estava entrando em pânico. Só segurava sua cabeça para que ela não batesse-a no chão e chorava. Eu estava uma pilha de nervos. 
        Fomos na veterinária. Ela deu glicose e gardenal. Demos os dois. Piorou. Era uma convulsão atrás da outra. Eu não aguentava mais. Eu teria ficado ali, a noite inteira. Mas a sensação de impotência era gigantesca. Eu me enfiei de baixo das cobertas e comecei a chorar. Chorei até cair no sono de cansaço. De noite, combinamos que levaríamos ela de manhã. 
       Pra fazer eutanásia.
       Eu faltei no dia. Levamos ela lá. Deixamos internada até de tarde, para ver se melhorava. Bem. Ela não melhorou. É claro. Minha mãe saiu da sala quando foi aplicado sabe se lá o que no pescoço dela - já que não havia mais veias nos braços ou nas pernas. Sua respiração foi parando, pouco a pouco. O coração bateu um pouco mais. E então, não tinha mais nada. 
      Nada. Aquilo tinha sido um corpo que estava lá, vivendo, minutos atrás. E então, não havia mais nada. Ver o corpo assim, morto, foi a pior parte. Por que, pra onde ela tinha ido? Ela não estava ali mais. Mas não estava em lugar algum. 
      Eu não consegui contar isso pra ninguém. Eu não contei pra ninguém. Porque morte é uma coisa que eu não sei lidar. Isso tudo, foi algo que me deixou muito, muito mal. Meus nervos estavam em frangalhos. A sensação de não poder fazer nada quando ela convulsionava foi horrível. Mas a questão da morte foi a pior de tudo. Porque eu não entendia. Pior do que a impotência. Porque nesse caso, você sabe o que está acontecendo, você entende o que é uma convulsão, os uivos. Você só não pode fazer nada. No caso da morte, você também não pode fazer nada. Mas porque você não sabe o que está acontecendo.
       Quando eu olhei pra ela naquela carcaça que não significava mais nada eu lembrei de uma semana antes de ela ficar doente, quando foi no portão enquanto eu esperava a van pedir carinho e eu enfie a mão pelo buraco da grade pra passar os dedos pelo seu pelo. 
        



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