O que você realmente quer da vida? Qual é o sentido dela? Pare e pense. Ao menos qual é o sentido dela para você? Qual é realmente seu desejo, agora? Em que situação está sua vida? Qual foi a última vez que teve um sonho? Ao menos, quais foram suas listinhas de fim de ano de 2014? Quantas delas você cumpriu? Uma? Nenhuma? Qual é o seu maior desejo agora? Qualquer um, qualquer um - ao menos comer sorvete, qualquer coisa vale. Ficar com o garoto que é seu crush, estar nos braços da namorada. Qualquer coisa. Agora, peguei meu antigo diário e vi os planos ambiciosos que tive para 2015. Eu sonhava alto, ano passado, agora, sequer quero comer sorvete. Nem chocolate. 
 Eu escrevi isso dia dia 09 do 09 de 2014, um ano atrás: " Ainda não beijei intensamente " É, já fiz isso. " ainda não saí do país, ainda não me afundei nos braços de quem amava, ainda não estudei e li o bastante, ainda não fugi, ainda não fiz sexo, ainda não me entreguei ao amor. Ainda não tive uma casa para, colocar a música, as duas horas da manhã, ao máximo, e dançar descalça no piso gelado, tomando chá, sem ninguém para me fazer colocar pantufas. Ainda não fui à Europa, ainda não enfiei minha vaga em medicina de baixo do nariz das pessoas. Ainda não dancei como queria, não ri, não abracei, não beijei. Meu mundo é pequeno, dispensável e sinto estranhamente que está perto do fim. "
 Eu pretendia começar a trabalhar esse ano, pretendia começar a guarda dinheiro para viajar para a França. Pretendia fazer muita coisa. Muita coisa. Pretendia aproveitar cada pequena coisa - mas parece que quando você aproveita coisas triviais de forma projetada, elas não são realmente aproveitadas, elas não realmente te afetam. No fim, a vida continua dessa forma: dispensável e pequena. 
 Faça planos. Esse é o primeiro passo, não é? Mas agora, sequer tenho vontade de fazer listas  sobre isso. Não há nada da minha alma que clame, que saia na forma daquele arrepio, daquela vontade de viver - de ser alguém, e não de fazer algo, mas ser.
  É como viver por viver. Parece que até minha vontade de discutir, de proteger meu lado ateia e esquerdista, tem perdendo sua vontade. Se viessem agora e me dissessem que eu estou ganhando uma passagem para Paris com tudo pago, não ficaria mais animada do que agora. 
 Ainda não fiz nada do que queria, do que falei de forma tão poética um ano e 13 dias atrás - com exceção de beijar intensamente. E isso me lembra muito uma vez, uma pequena história - deprimente, que sempre me fazia chorar - num livro de várias crônicas, que era escrita por uma presidiária. Terei que achar, espera.
 Se chama Privação dos Sentidos, e faz parte do livro Histórias para Aquecer o Coração: 
  Quero sair para dançar, usar um vestido que rodopie e flutue em volta de mim e rir. 
  Quero sentir a luz trêmula da seda enquanto ela escorrega pelos meus braços e pelo meu corpo, a alegria de tocar com os dedos sua maciez.
  Quero dormir na minha própria cama e regalar-me na frescura dos lençóis limpos e descansar minha cabeça em meu travesseiro macio. E ir dormir quando quiser, com todas as luzes apagadas e acordar quando estiver pronta.
 Quero me esticar em meu sofá debaixo da minha manta de lã azul e ouvir minha música favorita escoar dos alto-falantes para dentro do meu ser, regando a paisagem ressequida da minha alma.
 Quero sentar-me na varanda, bebericando café quente de minha caneca de faiança, ler o jornal e ouvir o cachorro latir para as folhas que caem ou para esquilos invasores.
 Quero atender o telefone e ligar para os meus amigos e a família e conversar até termos colocado em dia todas as palavras que guardamos para o outro, e rir.
  Quero ouvir o trem apitar através de Loveland, o cascalho sendo esmagado na porta da garagem e portas de carros batendo quando os amigos vêm visitar. E o tilintar e tinir dos talheres contra a louça, o chiado e o gorgolejo da máquina de fazer café.
 Quero sentir meus pés descalços na brancura fria do chão da minha cozinha e na maciez azul do tapete do meu quarto.
 Quero ver as cores, todas elas, cada cor jamais fiada na existência. E branco, branco de verdade, puro e imaculado. E acres de árvores verdes e quilômetros de estradas com fitas amarelas e centenas de metros de luzes de Natal. E a lua, 
 Quero sentir o cheiro de bacon fritando, um filé grelhando. Jantar de Ação de Graças e a plantação de tomates de meu pai. E a roupa recém-lavada, asfalto novo em um estacionamento. E o oceano. 
Porém, mais do que tudo isso, quero ficar de pé na porta do quarto do meu filho e vê-lo dormindo. Ouvi-lo acordar pela manhã e vê-lo voltar para casa à noite. Tocar seu rosto e passar meus dedos por seu cabelo. Pegar uma carona em seu caminhão e comer seus sanduíches de queijo quente.
 E vê-lo crescer, brincar, comer, dirigir e viver. Acima de tudo, viver. E passar meus braços à sua volta e segurá-lo até ele rir e dizer:
 - Já chega, mamãe!
 E então ser livre para fazer tudo de novo.
 Deborah E. Hill*
  * Esse texto nos foi enviado por uma prisioneira. Não sabemos qual o crime que ela cometeu.
 Se você estivesse cara a cara com Deborah E. Hill, o que diria para ela? " Desculpe-me, mas acho que não só as pessoas que realmente estão presas que não podem fazer isso. Porque a maioria está presa em outras coisas. Presas a sua tecnologia, presas a outras pessoas, que se incomodam com seus pequenos prazeres, presas aos deveres. Enfim, a maioria não faz isso. A maioria não sente vontade de fazer isso. " 
 Qual foi a última vez que teve um prazer gostoso como esse?
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